Apegada à números pares, era tudo dual em sua vida - quando não demasiado.
Na sua sala eram duas poltronas, em seu corredor dois tapetes e também na beirada de sua cama. Quatro travesseiros...dois quartos, havia o de visitas, mas estas nunca apareciam. Mas ela sempre preparava, para caso um dia, acontecesse o inesperado.
Duas toalhas cinzas penduradas no box do banheiro, uma estava para secar, a outra esperava ser umedecida. Dois jogos de toalhas de rosto, dois chinelos na beirada do box, dois shampoos, dois sabonetes, e na pia, duas escovas de dentes.
Não percebera todos esses pares no apartamento, talvez porque ela fosse singular e não plural. Porque ela fosse ímpar e não par. Aqui matemática e gramática normativa dão as mãos, e é o único par que possa trazer significado ao texto.
Porque ele ta vazio, assim como o apartamento.
Na cozinha, dois pratos na pia: um está esperando ser lavado, e outro esperando ser utilizado. O macarrão de ontem grudou e já não da mais pra comer. Lixeira tem uma só. Não carece de duas.
Na geladeira dois litrões gelando, na adega duas garrafas de um litro de vinho tinto seco. Sob a mesa duas taças, uma está suja do vinho da noite anterior em que bebera sozinha.
Dois cinzeiros sob a mesinha de centro da sala, apenas uma bituca de cigarro ainda soltando sua última fumaça - ou último suspiro.
Mora sozinha, mas coragem ela tem por duas, por três, por quatro. Se joga, mergulha fundo em taças de vinho ou em corações rasos, não importa.
O vinho é seco, o café é forte sem açúcar, e chocolates amargos dentro da bomboniere sob o balcão que separa a cozinha da sala.
À meia luz todos os pares somem, e o que fica é a unidade de cada utensilio.
Acende um cigarro, sentada em uma das poltronas, toma uma garrafa de seu vinho tinto seco - que é pra tingir de vermelho o interior, que assim como as toalhas e as paredes são cinzas. (e ela é Fênix, disseram)
Agora são duas bitucas no cinzeiro.
No mais, à meia luz não tem plural, só singular. Não tem pretérito mais que perfeito, mas imperfeito... tampouco futuro do pretérito. À meia luz, singular e ímpar dão as mãos para lhe ser companhia junto à taça de vinho.
No banheiro, segue as toalhas e os chinelos e as escovas...mas à meia luz eles nem fazem diferença.
De "pileque", o banho vira a melhor opção do singular ímpar, presente.(!) Aqui carregado de outra semântica - mas sempre gramática - normativa ou funcional. Os números nunca fizeram diferença mesmo. Mas o presente sim!
O presente é indicativo e reafirma que não há vocativo, tampouco aposto ou subordinação do sujeito.
Bom, algumas regras não mudam, mas nós somos passíveis de transformação...então, mais um vinho pra fechar com par.
Fato é que aqui gramática e matemática deram as mãos, não para serem um casal - longe disso, mas pra reafirmar a solidão dos números ou dos vocábulos/sentença.
Esta já foi dada: serás sempre ímpar e singular!
Não se sabe ainda se isso é bom ou ruim. O tempo dirá!