Não sei o que me fez parar na
banca do seu João aquele dia.
Era outono, e como se não
bastasse minha esquisitice, chovia.
Paisagem seca, árvores despidas
e chão vestido de folhas, eu vestia casaco cinza, botas e jeans em uma terça-feira
aparentemente normal.
Não fosse o senhor de cabelos
grisalhos me dirigir aquelas palavras: “Você
tem um olhar depressivo menina”.
Não sei o que levou aquele
senhor a me dizer tais palavras. Talvez
fosse as olheiras e os olhos vermelhos, de quem havia passado a noite acordada
entre taças de vinho, cigarros e muitos papeis amaçados jogados ao chão.
O ‘Senhor Zé Ninguém’ parecia
adivinhar meu estado de espírito, ou realmente estava escrito na minha testa o
quão sem sentido minha vida se encontrava?
O fato é que eu realmente não
fazia questão de parecer feliz. O outono
têm dessas coisas, nos devolve o verdadeiro ‘eu’ que o verão nos obriga a
mascarar.
Caminhei até o trabalho, cumpri
com as obrigações do dia ansiosa por voltar pra casa e reencontrar o apartamento
que me esperava para ouvir as lamentações do dia.
Voltar pra casa é sempre bom,
poder dar ouvidos às vozes internas e conselhos das paredes que embora
silenciosas, nos dá.
Os rascunhos nos papéis
amaçados, as garrafas de vinho, o ócio e a insônia que me aguardavam para me
acompanhar mais uma noite.
Tudo normal, não fosse o Senhor
Zé Ninguém notar o que ninguém notava.
Um dia atípico na vida corrida
da menina que mais parecia um panda com tantas olheiras.
“Esquece isso Elizabet.” Disse uma das taças de vinho encima da
mesinha no meu quarto.
Escrevi mais algumas bobagens, e
quando olhei pro relógio já era hora de me arrumar novamente para voltar pra
vida de gente grande e a rotina do trabalho.
Mas aquele dia, eu nunca mais
esqueci.
Embora não tenha escrito sobre ele, permanece na memória em meio à sequidão do outono vivenciada por mim.
Diz pro seu João o que os olhares depressivos escondem... Diz a ele pra não alterar o tom de voz ao falar do quão intenso está o seu outono interior, diz que pra transpassar a escuridão dos olhos é necessário muito mais do que simplesmente vê-los 'chegar'... E diz também a ele que, estes mesmos olhos também sabem sorrir, embora as noites de ventos frios e inquietos os forcem a permanecerem fechados e quietos... Diz isso tudo a ele e peça pra que seja mais gentil, que essa vermelhidão é só um coração procurando enxergar melhor, cansado do espaço cada vez menor dentro do próprio peito... Diz pro seu João... Que quando chove, as poças são maiores e você afunda lentamente debaixo dos cobertores só para não se afogar em si... Que o tempo lhe tem sido cruel, correndo por entre os ponteiros e se debruçando pesadamente sob seus olhos... Diz pro seu João que embora depressivos, seus olhos ainda podem ver o Céu.
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