segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

desconforto



Elizabeth se trancou dentro da zona de des-conforto, e, sozinha ali, tenta resgatar o restinho que sobrou dela mesma.
Aquele apartamento pequeno, de paredes cinza, onde já tomou muitos vinhos e cafés, é sua única companhia e testemunha. Uma pena as paredes não falarem...
Ou não...
Elizabeth gosta do silêncio.
Uma pena seu silêncio dizer tanto, pedir tanto, expressar tanto.
É tanto tanto que não cabe no apartamento. Não cabe na cidade. Não cabe no país... definitivamente não cabe.
O copo ta meio cheio ou meio vazio? O copo transborda. Molha o tapete indiano da sala, aquele que ela herdou da tia.
Mancha que não sai mais. Não tem produto de limpeza capaz de limpar, o tapete e suas memórias.
Essas, que as paredes testemunham silenciosamente.
Mas tem sempre um espelho na parede do corredor que dá pro quarto lhe apontando suas falhas e acertos e vivências e memórias. Tira o espelho dali. Bota um quadro. Aquele que sua prima pintou, te deu, e você deixou encostado num canto da casa.
Quebrou um jarro que ficava na mesinha de canto da sala, junta os cacos, joga no lixo. Mas dentro de uma caixa de papelão que é pra ninguém se machucar - mais.
Na despensa não tem vinho que lhe sirva de companhia. Na TV nada lhe apetece.
Talvez aquele livro que ensaia pra ler há um ano... Tédio. A zona de des-conforto é entediante.
O silêncio ensurdece e tudo que Elizabet precisava é de alguém que estancasse o sangue que escorre, ou a água que segue transbordando do co(r)po.
Carece de organizar essa bagunça. Mas nem ta tão bagunçado assim, vai.
É só uma mancha no tapete e alguma poeira que a faxineira fez questão de empurrar pra debaixo dele.
Tira o tapete e e a alma e pendura no varal pra secar. Pra estancar.
Limpa a mesinha da sala, ainda que ela permaneça vazia.
Organiza os armários da cozinha, procura com o que se ocupar.
Escreve meia dúzia de poemas que nunca serão lidos.
Trague todos os cigarros que puder. Trague paz, ainda que transborde de tanto que tanto.
Até que o quadro não ficou ruim, e o espelho...bem, quem precisa de espelho pra conhecer suas mazelas não é mesmo?
Depois que secar e estancar, volta o tapete pra sala porque ele já é parte dela – não se sabe se da sala ou de Elizabeth.
Liga o radinho à pilha que fica na cozinha pra ouvir outras vozes, hora ou outra.
Deita no sofá da sala e tira aquele cochilo de milênios.
Se abraça. Se escuta. Se acolhe.  Na hora certa o copo para de transbordar e a casa volta pra zona de conforto.

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