A virada da chave aconteceu numa noite fria, chovia muito, e Elizabeth decidiu ir caminhando para a casa após o dia de trabalho. Entre as gotas da chuva que molhava seus cabelos e escorria por seu rosto, se misturavam algumas lágrimas que se arriscavam em saltar dos olhos.
Se arriscavam porque, sabe-se, Elizabeth não é das que expressam emoções, mas as guarda, numa caixinha de madeira, debaixo da cama - e não tira nem pra faxinar a casa.
Acontece que, entre lágrimas e chuva, Elizabeth virou a chave, da caixinha talvez (?) e libertou as emoções contidas embaixo da cama - tal qual o monstro da sua fantasia da infância. Acontece que apenas o monstro era ficção.
Caixa aberta, já não tinha mais o que fazer se não olhar pra dentro dela e ver entre papeis velhos e gastos pelo tempo, toda emoção que guardara outrora. Haviam dores e feridas e escaras com casca, mas abertas, que poderiam, a qualquer momento, sangrar. E sangrou.
E jorrou sangue e jorrou lágrima, como criança perdida da mãe no supermercado. Ou quando ralava os joelhos após um tombo de bicicleta. Ser abandonado dói. Sobretudo, no supermercado lotado. Bem como os joelhos ralados de outrora.
A autopercepção de Elizabeth lhe custara caro, lhe custava calmaria, artigo de luxo naqueles tempos. Mas ela virou a chave e pode ver, por entre as dores dos papeis velhos, que ainda se habitava. E como é importante se perceber pertencente a seu corpo. E como é importante saber a hora de fechar a caixa de madeira e jogar a chave fora. Ainda que lhe custe a alma.
Mas Elizabeth é corajosa o suficiente, já superara momentos piores, e, sob a água gelada da chuva de inverno, ela vira a chave e tranca a caixa. Não se pode mais abrir.
Continua...
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