segunda-feira, 30 de outubro de 2023

 Morre-se um pouco quando alguém escolhe morrer pra nós. 

É um paradoxo, eu sei. mas verdade seja dita, a dor é como ter perdido um membro, um importante membro, porque o corpo te lembra, a todo momento, a falta que faz. 

Respirar deixa de ser voluntário e você sente, a cada inspiração,

 a f a l t a,

que, devagar, insiste em se fazer lembrada.

Morre-se um pouco quando alguém vai embora. quando escolhe ser apenas memória. 

Nem todas são boas, isso é fato. Mas fato  também é, que ate dos tro-peços sente saudade.

E dói. 

Como quando na infância ralava os joelhos e parecia que o mundo havia acabado naquele mertiolate ardido. 

E arde.

E quando pensa que sarou, eis que soltam as casquinhas e sangra tudo novamente.

Morre-se um pouco quando alguém escolhe ser saudade. 

Lembrança. Memória.

A falta nos lembra a todo tempo o tempo em que se fazia presente.

E presente era.

Morre-se l e n t a m e n t e, enquanto suspira lembrando o ser ausente. e é latente que o que sente não pode ser dito. Engolido. a seco. 

Rasga o peito e o esôfago e se questionado sobre membros faltantes, mente.

Ninguém vê. mas se morre um pouco sempre que lembra, e no passado volta, em fotografias rasgadas, remontadas sobre uma colcha velha.

A lágrima pinga, mancha, e escancara o luto de quem escolheu morrer pra gente.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

 Tirou os sapatos, calçou as pantufas e vestiu um moletom velho. Acendeu a luminária que fica no canto da sala, junto ao cigarro. Tragou a fumaça quente a fim de, talvez, aquecer o lado de dentro. 

Carece de se aconchegar vez ou outra, ouvir de si mesma que não está, mas, vai ficar tudo bem.

As lacunas deixadas outrora, por ora, nada preenche. 

O espaço deixado continua ali, e grita. Grita aos seus ouvidos a falta que ainda faz. Quem sabe assim se escuta, se acolhe.

Elizabeth, perdida em si mesma, não encontra a porta de saída. Não tem luminária que de conta de clarear o caminho. E dói.

Deixa doer. Arranca as casquinhas das feridas, joga mertiolate que é pra cicatrizar mais rápido, ou, ao menos, não infeccionar.

Mas ela é forte, e entre um cigarro e outro, abraçada por um moletom velho, espera o dia chegar. Porque ele sempre chega, e embora não se encontre o caminho da saída, traz o novo pelas frestas das janelas.

domingo, 2 de abril de 2023

Não sara nunca

“Essa ferida, meu bem, as vezes não sara nunca

Às vezes sara amanhã” 


Não, não sara! Elizabeth sabe bem que as feridas novas se somam às que já existiam e tornam-se cumulativas. 

Como fossem pontos de uma Mega-Sena que ao invés de prêmio, só faz doer.

Essa ferida não sara nunca, sinto decepcioná-los. Vocês todos que têm sempre um conselho na manga, como fossem receita de bolo.

Faz isso, assim, assado. Cru é que não pode ficar.

E Elizabeth nem gosta de cozinhar. Prefere as marmitas requentadas que dão menos trabalho, e na verdade ela não quer ter trabalho, gasto, desgasto. Já basta o que foi desgastado, devastado.

Mas essa ferida não sara nunca! Não tem mertiolate que dê conta.

Não tem dorflex capaz de aliviar. 

Não tem!

Essa ferida, não sara nunca! 

E nunca é tanto tempo…. É tempo demais pra um amor que insiste em pulsar, como fossem batimentos cardíacos daqueles que não têm pulso, mas bate. Bate e apanha. 

Apanha e machuca, e essa ferida não sara nunca!

Elizabeth sabe que se transforma, mas não sara. Ela sabe que fecha, mas não sara. 

Ela sabe que vez ou outra faz sangrar. Deficiência de coagulação, coitada. Deficiência de cicatrização. 

Essa ferida, meus caros, não sara nunca! 

Não tem conselho, nem mertiolate, capaz de estancar o sangue que escorre coração a fora.

Ela agradece o curativo, mas, essa ferida…essa, não sara nunca